De vez em quando se tem que morrer um pouco, pro seu eu lembrar que está vivo e viver não é coisa que se desmereça assim, sem quê nem por que.
Entregar as dores sem demora, respirar bem rápido, correr até ficar sem fôlego... Sentir o ar faltar e o coração disparar, o sangue pulsar nas veias e o veneno lentamente se diluir e desaparecer.
Toda dor vivida mata um pedaço do peito, mata um pedaço de tudo... e fingir a perfeição, utopia inconseqüente, agrava qualquer angústia que em enleio deveras sente.
O dom de sonhos intermináveis, meu coração almeja, nunca acordar dos meus devaneios que insistem em acabar cedo... cedo demais.
Nem bem comecei a amar, a querer bem, vem a sede implacável do sofrer e arranca por entre meus dedos bocados da minha fortuna, desmerecendo meus desejos, intensificando meus ais... Uma vontade indelével do ser de não subir alto demais? Será?
Não tenho medo de quedas... Não tenho medo da morte. Tenho medo, isso sim, de passar incólume, sem me arranhar em todos os espinhos que ainda preciso sentir em minha carne pra saber que estou viva, que continuo a andar apesar de tudo.
E ainda, e talvez isso seja o pior, saber que existem dores nesse mesmo universo, muito piores e maiores que as minhas, dores que eu nem sequer ousaria imaginar sentir, e ainda assim me abstraio do real, e me iludo presa ao mundo que criei. Mas isso dura pouco, pode ser uma ilusão ainda mais infantil, mas me ato a ela com todas as forças...
Essas dores não podem durar mais que momentos, um dia de vítima, não me permito mais que isso... Não ousaria me entregar à essa inimiga tão mortal e mergulhar nesse lodo autofágico que consome até a mais pura beleza do ser.
E nesse ato de não entrega, me justifico e me descubro, viro cinzas e viro fênix, uma transformação, por mais que obsoleta, completa. Sinto a água, límpida, forte, implacável, me impulsionar, me arrebatar... Desculpe coração meu, mas não posso me entregar ao rancor, não vou usar amarras invisíveis pra me prender ao tempo que passou... Ele está lá e eu estou aqui e no momento isso me basta.